A maioria dos jogadores de RPG já passou por períodos difíceis, quando ficou impossível conciliar os horários para as pessoas participarem daquele encontro semanal de jogatina. Atividades coletivas têm disso – a premissa é que haja o coletivo participando. E quando a vida cobra, é natural que outras prioridades, como família, relacionamentos e trabalho, acabem se sobrepondo ao jogo.
Ou talvez você tenha passado por um dilema ainda pior: uma fila inteira de jogadores assíduos prontos para jogar, mas a lotação da mesa já está completa.
E se eu te disser que você pode jogar RPG sem um grupo fixo, sem horários fechados, podendo preencher o grupo de jogo com mais de 10 participantes? Esse é Fronteiras do Oeste (West Marches no original), um modo de jogo bem irregular.
Tá bom, mas como isso funciona?
Fronteiras do Oeste é um estilo de jogo, não é um sistema de RPG, nem um livro em específico. Portanto, você pode aplicar suas premissas básicas em qualquer cenário e com as regras que você preferir.
Nesse modo de jogo você deixa de se preocupar em preparar um plot principal e missões. Aqui a ação é em torno de um ambiente inóspito que deve ser explorado. Não existem missões a serem dadas aos personagens, que devem ter o interesse, por si só, de seguir para uma aventura. Isso vai ocorrer com apresentação de rumores e situações que acontecem ao redor deles, pontos de luz em um mapa escuro, que atraem os personagens como moscas.
O trabalho do narrador é bolar um cenário repleto de situações, potenciais conflitos e desafios. Os jogadores vão ser aqueles que devem, por conta própria, partir em busca de soluções e glória. Não existe um grande roteiro: o jogo passa a ser sobre exploração, descoberta e suas recompensas.
Esse estilo surgiu a partir de uma mesa de Dungeons & Dragons às bordas ocidentais da civilização (por isso Fronteiras do Oeste). Os personagens eram aventureiros que buscavam tesouros e honrarias, e para isso iam além do mundo civilizado – rumo ao oeste – onde enfrentavam feras, exploravam ruínas, descobriam assentamentos e, eventualmente, montavam postos avançados, como bases para cada vez mais adentrar no desconhecido.
O jogo assumia um estilo mortal, muitos personagens pereciam nesses conflitos, e por isso havia grande ciclo de jogadores. Com isso o grupo acabava sendo composto por muitas pessoas, que iam e viam, davam um tempo do jogo e depois retornavam, gerando um grupo de jogo gigantesco.
Eram os próprios jogadores quem determinavam para onde o jogo ia. Quem pudesse jogar na quinta-feira, quando explorariam o Templo do Gorila Dourado, pegaria seu personagem e estaria na mesa jogando a aventura que, terminada, retornaria os personagens para a base. Em outra situação, outros jogadores determinavam que na sexta-feira, pois não podiam jogar na quinta, explorariam as Cavernas de Cristal, que ficavam abaixo das ruínas que encontraram na última sessão.
Assim, a única pendência real era de que o narrador estivesse disponível e que os jogadores dissessem de antemão o que fariam na sessão – que pontos do mundo explorariam. Na época isso acontecia por e-mail, mas hoje temos muitas ferramentas mais ágeis como WhatsApp, Telegram ou Discord – e inclusive podemos partir para mesas de jogo online.
Hoje, podemos extrapolar as Fronteiras do Oeste para muitos outros jogos, seguindo poucas regras. São elas:
Tenha uma ferramenta para agendar a partida (e-mail, aplicativos ou outros programas de computador).
Não existe um grupo de jogo regular, jogadores podem ir e vir a cada sessão.
Tenha uma base de jogadores com muitas pessoas.
Deixe os jogadores determinarem quando será a partida e o que vão explorar naquela sessão. (O narrador deve estar disponível no dia).
Não tenha um roteiro de história e missões, o jogo é sobre exploração, descoberta e recompensas.
Assuma uma região segura, e o restante é inóspito e perigoso.
“Aventureiros” são raros e locais não são explorados com facilidade (podem exigir mais de uma incursão).
Você pode ajustar essas regras para formar outros estilos e adequar às suas necessidades, mas se você segui-las poderá ter a sua própria Fronteiras do Oeste, em qualquer cenário e qualquer sistema.
Ficou na dúvida? Vai aqui alguns exemplos de adaptação do West Marches:
As Chaves da Torre – Os Esquecidos se aninham em uma Lacuna segura, sem saber o que há na Metrópole ao seu redor, que partes do Mundo Esquecido tomaram conta do que antes conheciam como lar. A moeda de troca é informação e por isso rumores são migalhas que podem render tesouros. Descobrir a cidade e seus segredos explorando as memórias apagadas e suas verdades é um caminho de crescimento na sociedade atemporal dos Esquecidos e também fonte de sobrevivência diante dos Pesadelos Urbanos e suas conspirações arquitetadas para consumir a humanidade.
Vampiro: a máscara V5 – A Segunda Inquisição se assegurou que nenhum cainita restasse na cidade, antes território do Sabá. Agora Camarilla e Anarchs querem tomar para si o território, mas não sabem o que há nos cantos escuros daquele lugar. Uma grande oportunidade para neófitos ou anciãos que desejam ter sua parte de poder e domínio. Será que realmente não há resquícios do Sabá? E como a Segunda Inquisição age na região agora purificada?
Mouse Guard – Lockhaven e as Cidades Livres estão em paz e a Guarda não tem tanta utilidade. Esse grupo de patrulheiros e desbravadores quer expandir as bordas e ir além do território seguro para colonizar regiões prósperas onde agricultura e entomologia são favorecidas. Ir além das fronteiras atrai predadores que naturalmente rondam a região e onde há predadores há presa, ouviu-se dizer sobre outros roedores, nômades e assentados, que estão naquelas paragens que nunca tivemos coragem de explorar antes.
Lenda dos Cinco Anéis – O Reino de Ébano está em ruínas, alguns membros do Clã da Aranha, os que não estão maculados, recebem o dever de ir além e colonizar a região, criar um distrito. Membros de outros clãs seguem a expedição para fiscalizar os serviços e garantir que o Novo Distrito, a Segunda Cidade, tenha influências de sua casa. Que criaturas sombrias ou gaijins espreitarão à distância, quais alianças deverão ser feitas e quebradas para a Segunda Cidade prosperar e crescer diante dos desafios?
Cordel do Reino do Sol Encantado – O Pedro Borges narra semanalmente uma campanha no Raso da Catarina, onde os personagens vão explorar a região para alcançar nome e chamar atenção do Coronel da Região, mas o lugar é místico e cheio de mistérios, de corpos secos a um trio misterioso de beatas atemporais, ou uma árvore protegida por uma Caipora. É só segui-lo nas redes sociais que você encontra um pouco mais de informação. E se você não conhece esse sistema nacional, é melhor ir conferir o quanto antes!
Jogos de Fantasia Medieval (Dungeons & Dragons, Forbidden Lands, Dungeon World, O Um Anel, Tiny d6, etc) – É fácil simular o estilo original, com aventureiros, exploradores, saqueadores e mercenários lutando por ouro em regiões selvagens longe da civilização, seguindo rumores e boatos de tesouros e feitos gloriosos que podem lhe render conforto na volta para a casa (se algum dia voltarem...).
Fronteiras do Oeste é um estilo de jogo que combina muito com o Hexcrawl. Não sabe o que é isso? Comenta no post quem sabe não possa ser nosso próximo assunto.
Essa forma mais "livre" favorece demais aos jogadores mais velhos e que tem dificuldade em encaixar o jogo na agenda. Lidar com as inúmeras atividades extras que a vida adulta traz pode prejudicar mesmo a jogatina. É sempre bom saber dessas novas opções.